Temos um hábito de compensar nas compras. Sempre compramos e gostamos de ter a sensação de posse. Mais e mais. Desejamos e somos estimulados a isso. Comprar e comprar. Os elementos que nos cercam nos carregam do sentimento de completude. Objetos maravilhosos e elaborados que se colocam diante de nós como uma extensão. Já não sabemos mais o que é nosso e o que não é.
Como as coisas não humanas se humanizaram. A marca de refrigerante nos ensina a ser jovem como a de shampoo nos dá a magia de nos destacarmos diante de multidão. Tudo nos parece uma experiência única. O carro esporte é uma produção estética do artesanato, mesmo que industrializado. Ele nos dá a percepção da personalidade pronta, atrás do volante.
Muitos já não se sentem “felizes” rodeados de pessoas e sim de coisas. Não é de se admirar que declara abertamente o quanto elas nos entendem. Os seres humanos pouco compreendem dos outros como a indústria do marketing tem a percepção dos desejos. Um segredo guardado que agora está diante dos olhos em forma de “coisa” disponível para compra. Como uma descoberta da intimidade. Como isso ocorre?
Vivemos no tempo em que os seres humanos são estudados nos mínimos detalhes. Calculadamente. Detalhes do que os olhos percebem, o paladar apurado é analisado para que os sabores “dos sonhos” seja construídos, disponibilizado, vendido. Não por acaso excedemos na comida, nas roupas, nos sapatos e nas bebidas. Tudo parece ser possível, a “perfeição” se materializa. Consumida, mas não é o bastante para o insaciável desejo humano. Queremos mais.
Aonde vamos chegar?
Somos acumuladores incontroláveis. Nada é o bastante, por mais que tudo se mostre exatamente como o suficiente. Porém, só mais um minutos após a aquisição vem o vazio. Ele nos consome e se enche de vontades. Queremos consumir mais e mais. Quanto mais se transforma em produto os nossos desejos sensíveis vamos ficando insensíveis a nossa humanidade.
Precisamos redescobrir que as coisas industrializadas que nos encantam são obras humanas. Frutos da inteligência de um ser imperfeito. O autor, o artista da obra, agora não consegue mais perceber que sua invenção é apenas fruto de sua vontade. Não há mágica neste mundo encantado. O que se tem é a inteligência do encantamento racionalmente produzido para nos afastar da razão.
Este comentário foi ao ar em 18/12/2019 às 07h50.