É guerra?
Evento que “combate o agronegócio” gera polêmica em Maringá
Cidade por Luciana Peña em 10/06/2025 - 11:47
A CBN foi questionada por ouvintes sobre a promoção de um evento de agroecologia que será realizado de quinta-feira (12) a sábado (14) na Universidade Estadual de Maringá (UEM). A IV Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária da UEM é promovida pelos departamentos de geografia e história e pelo centro de ciências humanas da universidade, curiosamente sem envolvimento do centro de ciências agrárias.
Chama a atenção o subtítulo do evento: “Defender a vida, combater o agronegócio”.
O tom agressivo a uma das mais importantes atividades econômicas de Maringá, do Paraná e do país, não passou despercebido.
Ouvintes questionaram a participação da UEM no evento.
A CBN entrou em contato com a universidade. Segundo a reitoria, o evento não é institucional, mas promovido por um grupo de professores.
A CBN também entrou em contato com os organizadores do evento e aguarda um retorno.
Nesta terça-feira (10), coincidentemente, a UEM divulgou na página oficial da instituição uma reportagem sobre o compromisso da universidade com o agronegócio.
O texto começa assim:
“A Universidade Estadual de Maringá tem reafirmado, ano após ano, seu compromisso com o agronegócio brasileiro, um setor dinâmico, tecnológico e sustentável que é um dos grandes pilares da economia nacional.”
E em outro trecho a reportagem cita contribuições da UEM para o agronegócio:
“Nos últimos anos, a universidade também ampliou sua infraestrutura voltada ao agronegócio, com a criação de laboratórios especializados, centros de pesquisa, além de fazendas-escola que funcionam como verdadeiros polos de inovação agropecuária. Neste contexto, cabe destacar a Central de Agropecuária e Agronegócio (CAA) na qual são desenvolvidas pesquisas, análises e ensaios, com potencial de gerar inovação com impacto direto no campo.”
(atualizado às 15h40): Os organizadores do evento enviaram a seguinte nota à redação da CBN:
"A Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA) é um evento de caráter nacional, realizado desde 2013 em diversos campi universitários brasileiros. Seu objetivo é integrar estudantes, professores, técnicos, representantes de movimentos sociais e do poder público no debate e promoção da Reforma Agrária Popular no Brasil, além de fomentar formas de produção no campo que sejam sustentáveis, justas e baseadas em princípios agroecológicos.
Na UEM, esta será a 4ª edição da JURA. O evento é institucional, aprovado pelos conselhos competentes, e organizado coletivamente por docentes, estudantes e técnicos de diferentes departamentos da Universidade Estadual de Maringá — entre eles, Educação, Geografia, História e o Mestrado em Agroecologia —, além do Centro de Ciências Humanas (CCH) e da Pró-Reitoria de Ensino (PEN). Conta também com o apoio de entidades externas, como a Seção Sindical dos Docentes da UEM (Sesduem), o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Escola Milton Santos de Agroecologia.
O tema nacional da JURA 2025 — “Defender a Vida, combater o Agronegócio” — foi promovido em diversas universidades, como USP, Unicamp, Unesp, UERJ e UFPA. Ele representa uma crítica ao modelo dominante de produção agrícola no Brasil, que tem gerado impactos sociais e ambientais. A escolha do tema reflete o direito à livre expressão e ao debate acadêmico, pilares fundamentais do ambiente universitário. Esclarecemos que essa crítica não se dirige ao agricultor familiar, ao pequeno produtor ou ao setor agrícola como um todo, mas sim ao modelo do agronegócio baseado na concentração de terras, no uso indiscriminado de agrotóxicos, no envenenamento do solo, da água e dos alimentos, na destruição ambiental e nas ameaças às formas de vida no campo.
A JURA, como iniciativa universitária comprometida com a transformação social, busca justamente alertar a sociedade para os impactos sociais, ambientais e econômicos desse modelo e, ao mesmo tempo, apresentar e fortalecer alternativas baseadas na reforma agrária popular, na agroecologia e na soberania alimentar.
Na UEM, reconhecemos que existem pesquisas vinculadas ao agronegócio, mas destacamos que há também uma produção acadêmica significativa, desenvolvida por docentes de diversas áreas, que questiona essa lógica e contribui ativamente para a construção de alternativas mais justas, sustentáveis e solidárias.
Reafirmamos, portanto, que a JURA é uma ação construída com base em uma concepção política clara, que convoca a universidade, em diálogo com os movimentos sociais e camponeses, a se comprometer com a construção de um projeto de produção no campo que defenda a vida em todas as suas dimensões, enfrente as desigualdades históricas e promova a justiça social e ambiental."
O assunto continua repercutindo.
A Sociedade Rural de Maringá emitiu uma nota sobre o assunto:
"Lamentamos que eventos com pautas ideológicas e distorcidas, como a IV Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (Jura), venham a ser realizados em nossa cidade — especialmente quando promovem o discurso de “combater o agronegócio”, setor que é pilar da economia nacional e regional.
De acordo com a programação divulgada pelos organizadores, o evento tem como tema “Defender a vida, combater o agronegócio”, propondo reflexões sobre a importância da reforma agrária popular no Brasil. Entre os palestrantes, estão inúmeros integrantes e ex-integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o que evidencia o viés político-ideológico da iniciativa.
Temas com esse tipo de abordagem claramente demonstram o desconhecimento por parte de quem os organiza sobre a real importância do agro para o desenvolvimento do Brasil. O agronegócio é responsável por gerar empregos, garantir segurança alimentar, impulsionar o crescimento econômico e levar desenvolvimento às mais diversas regiões do país.
Reiteramos nosso compromisso em defender, com firmeza e responsabilidade, os produtores rurais e todas as cadeias produtivas que compõem esse setor essencial para o progresso de Maringá, do Paraná e do Brasil.
Causa ainda mais preocupação o fato de a programação incluir uma palestra intitulada “A luta das mulheres no campo: na preservação da vida e contra o agronegócio”. Essa abordagem distorce a realidade vivida por milhares de mulheres que atuam no setor com competência, dedicação e protagonismo. A mulher no campo é presença legítima e essencial no agronegócio — contribuindo diretamente para a produção de alimentos, o fortalecimento das comunidades rurais e o desenvolvimento sustentável do país.
Maria Iraclézia de Araújo
Presidente da Sociedade Rural de Maringá"
E a Faep também divulgou nota sobre o assunto:
"Sistema FAEP repudia a IV Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (Jura), que será realizada na Universidade Estadual de Maringá (UEM), nos dias 12, 13 e 14 de junho. De acordo com a programação divulgada pelos organizadores, o evento tem como tema “Defender a vida, combater o agronegócio”, propondo reflexões sobre a importância da reforma agrária popular no Brasil. Entre os palestrantes, estão inúmeros integrantes e ex-integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
“Não podemos aceitar que uma universidade pública seja utilizada para atacar um dos setores que mais contribuem com a economia do país e que mais geram emprego e renda. Além disso, esse evento faz apologia a um movimento que realiza invasões de terras e que leva insegurança ao campo”, ressalta o presidente do Sistema FAEP, Ágide Eduardo Meneguette. “Nunca vamos aceitar eventos deste tipo e sempre estaremos de prontidão para defender nossos produtores rurais. Sempre seremos combativos em prol dos interesses do nosso setor agropecuário”, complementa.
A diretoria da UEM, por sua vez, publicou uma nota reafirmando seu compromisso com o agronegócio brasileiro. No texto, a universidade classificou o agro como “um setor dinâmico, tecnológico e sustentável que é um dos grandes pilares da economia nacional”. A UEM também mencionou a importância do setor agropecuário para economia nacional, contribuindo “para a geração de superávits na balança comercial, atraindo divisas e impulsionando o crescimento econômico, gerando emprego e renda”. Além disso, o texto destaca o desenvolvimento tecnológico como uma das marcas do agronegócio.
“Entramos em contato com o reitor da UEM, Leandro Vanalli, que, prontamente, enfatizou que esse evento não representa o que a universidade pensa e faz”, destaca Meneguette.
As atividades da IV Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (Jura) são organizadas pela Seção Sindical dos Docentes da UEM (Sesduem), pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), pelo Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCH), pelos departamentos de História (DHI) e Geografia (DGE), a Escola Milton Santos de Agroecologia e diversos movimentos sociais."
E nesta quarta-feira (11), o reitor Leandro Vanalli se manifestou sobre o assunto nas redes sociais. Ouça o que ele disse:
Associação Maringaense do Engenheiros Agrônomos também divulgou nota sobre o assunto:
"A Associação Maringaense dos Engenheiros Agrônomos (AMEA) vem a público manifestar seu repúdio ao conteúdo e à abordagem da IV Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA), que será realizada entre os dias 12 e 14 de junho na Universidade Estadual de Maringá (UEM), com o tema "Defender a vida, combater o agronegócio".
Lamentamos profundamente que uma universidade pública esteja promovendo um evento que ataca de forma injusta e ideológica um dos setores mais relevantes da economia brasileira.
O setor agropecuário é uma das principais forças econômicas e sociais do Brasil, sustentando milhões de empregos, alimentando nosso povo e levando riqueza e desenvolvimento a todas as regiões do país. Atacar o agro é atacar quem trabalha com responsabilidade, ciência e dedicação para produzir alimentos, energia e matérias-primas.
Repudiamos qualquer tentativa de desmoralização do trabalho do campo e reafirmamos nosso total apoio ao agronegócio, que tem evoluído com práticas cada vez mais sustentáveis e comprometidas com o futuro do planeta.
O agro é força, é tecnologia, é futuro - e merece respeito."