Um projeto do Executivo que tramita na Câmara Municipal de Maringá permite a transformação dos servidores celetistas em estatutários. É uma iniciativa complexa, considerada polêmica pela Sociedade Civil Organizada, e exigiu uma série de pareceres técnicos dentro Paço Municipal.
E em relatórios internos, procuradores jurídicos e o Secretário da Fazenda de Maringá se mostraram contrários à proposta do município. Os documentos, registros que vão de 2017 até agosto de 2019, apontam dúvidas por parte dos técnicos da Prefeitura. Apesar disso, em setembro o projeto chegou à Câmara. A medida é uma das promessas de campanha do prefeito Ulisses Maia (PDT).
As informações estão no relatório de uma comissão especial de estudo relativo à mudança. O documento tem mais de 100 páginas, e a CBN teve acesso ao material.
Dos itens que mais chamam a atenção, dois deles são relatórios independentes, feitos pela Actuarial - Assessoria e Consultoria Atuarial, de Curitiba. Produzidos em agosto deste ano, com base em dados de 31 de dezembro de 2018, a empresa registrou o seguinte:
Se todos os 900 celetistas se tornassem estatutários, o impacto seria de pelo menos R$ 120 milhões no Fundo Previdenciário da Maringá Previdência, decorrente das futuras aposentadorias deste grupo. Mesmo com as contribuições destes novos servidores ativos e de outras fontes, haveria um déficit atuarial de R$ 14 milhões. O relatório, por outro lado, aponta que se a Prefeitura aumentasse em 0,52% a contribuição patronal atual, de 11% para os estatutários, haveria equilíbrio financeiro e atuarial no Fundo Previdenciário.
Os estudos registram que, no pior dos cenários, haverá um impacto negativo para a previdência municipal e será necessário aumentar o plano de custeio para cobrir este desequilíbrio. A avaliação é do atuário-responsável, Luiz Cláudio Kogut. A data do estudo é 19 de agosto de 2019.
Vale um registro: o estudo atuarial é uma estimativa futura a partir de dados concretos e atuais. Por outro lado, ele não indica o que de fato deve acontecer. No caso desses relatórios, o impacto na previdência leva em conta a migração de todos os 900 servidores celetistas para o regime estatutário. Essa ação é uma previsão: porque os celetistas, depois que o projeto for aprovado, poderão escolher se querem ou não mudar de regime. Além disso, o projeto de lei cria uma série de regras para a mudança - o que, em alguns casos, seria uma espécie de “barreira”.
Outro item que chama atenção é a última página do relatório, de 06 de agosto deste ano. O procurador municipal Nabil Beuron recomenda ao município que aguarde a votação da Reforma da Previdência para depois pensar no projeto. Atualmente, a proposta da reforma está no Senado.
Apesar do recado, atrás dessa página, no dia 29 de agosto, o chefe de gabinete da Prefeitura de Maringá, Domingos Trevizan, pede que o estudo seja enviado ao Núcleo Jurídico do município para que o projeto de lei fosse criado. A demanda foi atendida; e a iniciativa foi para a Câmara em setembro.
A CBN Maringá consultou um especialista em finanças, que tem experiência com o poder público municipal. Ele, que prefere não ser identificado, falou que a decisão é, acima de tudo, política. Quanto ao déficit apresentado pelo estudo, a Reforma da Previdência foi aprovada na Câmara sem a inclusão de estados e municípios. Uma proposta feita no Senado é a de colocar esses outros entes da federação no pacote. Aí poderia haver o aumento da alíquota de contribuição dos servidores e da gestão pública de 11% para 14%. A medida supriria a perda na Maringá Previdência e geraria superávit, segundo esse especialista, a partir dos dados do estudo atuarial. Pessoas do primeiro escalão da Prefeitura de Maringá, ouvidas pela CBN, disseram acreditar que a alíquota deve subir, e que, por isso, há tranquilidade na criação dessa proposta.
Ao longo das 100 páginas do relatório, o município não apresenta cálculos futuros exatos quanto ao impacto na previdência municipal. O item mais próximo no estudo é um documento da Secretaria de Recursos Humanos. Em 2018, segundo a pasta, os 915 celetistas da Prefeitura custavam R$ 3, 535 milhões mensalmente aos cofres públicos. Se todos se tornassem estatutários, o valor seria reduzido para R$ 3 milhões. A diferença, R$ 535 mil, seria devido à redução no pagamento das alíquotas de contribuição, diferentes entre os regimes CLT e estatutário, gerando economia anual de R$ 6 milhões.
Por outro lado, o próprio RH da Prefeitura registra que só foram calculados os salários-base. Horas-extras e progressões futuras não foram analisadas. Questionada, a Secretaria de Recursos Humanos informou que é complicado pontuar caso a caso e por esse motivo foi feita uma estimativa, imaginando o pior dos cenários.
A partir desses dados, a Maringá Previdência, por meio da diretora-superintendente, Cinthia, Amboni, registra não ser contrária à mudança do regime. Entretanto, ela escreve em um parecer que a prefeitura deve estar preparada para equacionar um possível déficit. O despacho dela também informa que as regras de transição não podem gerar problemas para a aposentadoria desses servidores; e que a Reforma da Previdência a partir de 2020 poderia ter um impacto considerável no futuro - só não diz se positiva ou negativamente. Na avaliação dos técnicos ouvidos pela CBN, o impacto deve ser positivo.
Um procurador, responsável pelo Núcleo Legislativo dentro da Prefeitura de Maringá, setor que elabora as leis encaminhadas à Câmara, fez mais de 20 perguntas ao município em maio: entre elas qual a justificativa para a mudança?, se o momento era oportuno? Páginas à frente do relatório não indicam claramente todas as respostas.
Nesse mesmo relatório acessado pela CBN, o Secretário da Fazenda, Orlando Chiqueto, não se mostra favorável tecnicamente ao projeto. No dia 05 de julho, ele registra, por meio de despacho, que o município não dispõe de índice de gastos com o pessoal suficiente para autorizar a transformação dos cargos celetistas em estatutários. Chiqueto, mais à frente, ressalta, por outro lado, que cabe ao gestor avaliar os riscos. Em outras palavras: é uma decisão política.
No momento, o índice de gastos com a folha está em 49% - acima do limite de alerta. O índice engloba os servidores ativos e inativos.
Atualmente, Maringá tem dois fundos de previdência. Um, o Previdenciário, é deficitário, e recebe aportes financeiros todos os anos. Em 2018, a gestão depositou R$ 78 milhões. O Fundo Financeiro é superavitário; e cálculos de dezembro do ano passado indicam um superávit atuarial de R$ 29 milhões. Em outras palavras significa que se o gestor pegasse todas as receitas e descontasse as despesas, ainda restariam quase R$ 30 milhões.